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Quando fui convidada para fazer um ensaio de lingerie como modelo, me senti muito insegura, mesmo estando dentro do padrão do corpo magro, ainda assim sofro com a pressão estética e a cada centímetro que olhava pro meu corpo perguntava se seria capaz de dar esse passo de desprendimento e aceitação genuíno e acolhedor do meu corpo. 


No dia do ensaio, conheci a Margô, a identificação com ela foi instantânea. Estávamos vestida praticamente iguais, uma coincidência que certamente nos aproximou de cara. Uma calça marrom escuro e blusa preta, no caso dela um cropped preto. Margô é daquelas mulheres que você vira a esquina olhando de tão linda, seu cabelo cacheado, tão pretos que parecem uma pintura, se torna uma marca inevitável de não se admirar. Dito assim, é daquelas que dizemos “um mulherão da p**”. 


No decorrer do dia, transitando e acolhendo as dores de tantas mulheres juntas reunidas para um ensaio de lingerie, percebi que aquilo que me era tão subjetivo, como a insegurança foi descartada. Foi posto para fora, para dar espaço a um novo olhar, um olhar de puro amor por todas as formas de ser. Não poderia descrever quanto um ensaio de lingerie, no meio de tantas mulheres incríveis pode ter tido como resultado no interior do meu coração. Mas me foi profundamente gratificante vivenciar essa experiência. 


Mas, ainda assim, falo de uma ótica tão cheia dos meus privilégios, que sei que esse debate de roupa e quando colocamos para roupa intima é ainda mais profundo, complexo e cheio de pormenores. Por isso, não poderia ter deixado a chance de trazer aquela que me fez aprender tanto, sentir tanta empatia e uma conexão tão profunda. Trago aqui a Margô, abro esse espaço para que ela possa compartilhar com a gente, os seus processos e me coloco em um espaço de puro aprendizado.


TTUM – toda terça uma mina.

Um bate-papo sobre processos internos e experiências através da roupa com @louisemarrgo




Clararinha: Margô, comecemos é claro com a sua história, quem é essa mulher tão incrível ? Conta mais para a gente sobre você. Sinta-se livre para se apresentar. 


Margô : Eu me chamo Louise Margô Batuli Pereira, sou mulher trans, negra, trabalho com arte e com o corpo. Sou bruxa, taróloga e fiel a natureza e tudo aquilo que acredito, o corpo é minha religião. Trabalho e acredito no meu corpo e no corpo do mundo, o corpo enquanto potência e possibilidades infinitas que alguém pode comportar, o corpo é potência, é possiblidade e arte. Sou fiel a mim, por que se acredito em algo além do corpo, acredito no meu corpo, na minha voz, e no sentido que reinvento e proclamo a mim. 


Sou mulher, extensão do mundo, e de tudo aquilo que retorno e trago a mim. 

Sou eu, Louise Margô que ocupa esse corpo infinito.

– Margô

Clarinha : Margô Logo que vi você senti a energia que ecoa de você. No decorrer do nosso dia, descobri que sou quase dez anos mais velha, mas isso nem por um segundo fez com que a minha admiração por você fosse menor, ao contrário, isso só aumentou. Nos meus 18 anos, ainda caminhava muito lentamente e não sabia tanto. Foi lindo de ver, você trazendo debates tão importantes para nós no dia. Sempre digo que moda e se vestir pode ser um ato politico e reafirmei isso durante nosso dia de ensaio. Você pode compartilhar um pouco da sua experiência com a moda ? Como foi a descoberta do seu estilo e qual o papel que a roupa têm dentro da sua vida ?


Margô : A moda teve um papel fundamental na construção de quem sou hoje, e como ela se ressignifica a cada momento da minha vida, o ato de vestir-se depois do momento em que identifiquei-me com o gênero feminino tornou-se importante. E é necessário apontar que a moda, nunca deve ser tida como algo obrigatório e essencial, a moda é livre, versátil e extremamente pessoal, independente do gênero no qual a pessoa se identifica. 

Dito isso, a moda no sentindo de vestir aquilo que gosto assume um papel de empoderamento e liberdade. Meu estilo se constrói muito em cima daquilo que ressignifiquei, indo a brechós pela cidade, e lugares acessíveis e mais sustentáveis. Por conta disso, virou um costume que me estilo receba grande influência de roupas antigas e inspirações dos anos 90 e um pouco dos anos 80. 

Gosto de apontar que optar a frequentar brechós e bazares pela sua cidade é sempre uma experiência enriquecedora, econômica e mais sustentável. E são nesses espaços que me permiti experimentar e ousar da minha criatividade e do meu estilo. 

Acredito que o estilo e a descoberta daquilo que te faz sentir-se confortável sobre o que está usando é sempre importante e algo extremamente pessoal, por isso abuse e se jogue naquilo que você acredita que assemelha mais a você. E seja livre para ressignificar e trazer sentidos importantes para aquilo que você veste, ou não, afinal, a moda deve ser livre e o mais pessoal possível. 

Não tenha medo nem sequer vergonha ou insegurança daquilo que você decide vestir, a roupa e a moda deve ser ressignificada a todo instante para caber dentro de nós.


Clarinha: Nos conhecemos para fazer um ensaio de lingerie para uma marca que é cheia de propósito. E, muito embora sejamos mulheres que estamos sempre em busca da desconstrução e da ressignificação do nosso corpo, cada processo é muito íntimo. Antes da gente entrar em como você se sentiu usando lingerie, queria conversar um pouco sobre o processo antecessor a ele. Você já tinha usado lingerie ? Como foi para você antes de fazer o ensaio ? Pode trazer pra gente algumas das suas questões que vieram no dia anterior do ensaio ?


Margô: Eu nunca tive ou nunca passou pela minha cabeça a possibilidade de usar uma lingerie, muito menos em um ensaio, simplesmente por uma questão de costume, e não estar habituada a comprar e nem usar lingeries. 

Quando recebi a proposta do ensaio, aceitei logo de início, esquecendo o quão difícil isso poderia ser para mim. Depois de aceito, comecei a questionar-me se realmente gostaria ou me sentiria confortável. Levantando assim, questionamentos pessoais muito profundos que jamais foram tocados em mim. Mesmo sendo uma mulher forte e confiante, senti muita insegurança, não vinda dos outros e sim de mim mesma. O medo de não gostar, o medo de sair da zona de conforto e o medo da troca que seria o ensaio. 

Depois de muita conversa e pensar em desistir, resolvi ir, como quem pula em uma piscina de cabeça. Afinal, eu nunca saberia como seria a experiência sendo ela positiva ou negativa eu nunca iria saber se não fosse, costumo acreditar que tudo possui um grande motivo atrás de coisas muito simples, e esse foi um deles. 

A insegurança e incerteza sempre estiveram comigo no momento anterior ao ensaio, mas resolvi ir mesmo assim, para ressignificar esses sentimentos e descobrir em mim mesma, os motivos desses sentimentos. E experimentar vivenciar com leveza uma versão desconhecida de mim, uma mulher muito mais livre do que achava que poderia ser. 

Com medo me joguei em uma experiência sem saber qual seria o retorno, e no final o retorno foi enriquecedor e empoderador com todas as mulheres e comigo mesma. Talvez o que precisasse fosse de um ensaio de lingerie com mulheres incríveis para sentir-me mais livre, leve e forte. E aconteceu.


Clarinha: Você pode contar pra gente como que esse processo de usar lingerie e se ver sendo fotografada ? Como isso afetou ou não sua autoestima e os pensamentos que ecoaram desse dia ?


Margô: Eu precisei desse ensaio, por uma questão completamente de segurança pessoal, as mulheres, o momento, a troca permitiu que fosse trago pra mim uma segurança que talvez nem pudesse imaginar que desenvolvesse depois do ensaio. 

A auto estima sempre é elevada, não por ter vestido uma lingerie mas sim, por ter passado pelo processo de uma forma leve e segura, que enriquece a segurança e o amor próprio. 

Particularmente falando são coisas tão necessárias e que fazem a diferença.


Clarinha: A gente vive um mundo que diz que a sensualidade e sexualidade da mulher é algo ruim. Sexy sem ser vulgar é uma das frases que mais escutamos, partindo dessa ideia como que fica a sua busca por expressão da sua sensualidade e como ela está ligada ao simples ato político de existir, resistir e ser ?


Margô: Ressignifico a sensualidade e aplico a mim sendo aquilo que me faz, me sentir bonita e atraída por mim mesma.  A sensualidade nunca deve ser algo que tenhamos medo ou negamos, e também não deve ser algo que deve ser cobrado nem de ninguém e nem de si mesma. 

A sensualidade e sentir sensual e descobrir-se, e dentro disso descobrir aquilo que faz com que sinta atração por si mesma, no sentindo de se atrair pele pessoa que você vê ao olhar no espelho, não preciso que ninguém diga que estou ou sou sensual.

Na descoberta da minha sensualidade pude perceber que não está atrelada a algo que eu visto ou uso e sim naquilo que eu emano e acredito ser sensual em mim. 

As pessoas são plurais e diversas, e a sensualidade também, permita-se a descobrir-se aquilo que você acredita ser sensual e como isso pode importar para você. Ressignifique aquilo que foi dito, e diga você a partir de agora o que pode ou não pode ser. A sensualidade flui de acordo com aquilo que acreditamos ser sensual e só nós podemos dizer o que cabe e o que não cabe em nós. E dentro disso permita-se sempre a ser sensual do jeito que você quiser ser, sem medo ou vergonha, apenas sendo você.



Clarinha: Puxando um pouco o papo agora para autoestima e estilo, queria que você compartilhasse com a gente o que faz com que você se sinta poderosa. Têm alguma peça de roupa no seu armário que te deixe instantemente mais segura, ou confiante ? 


Margô: Acredito que a confiança e auto estima são coisas consolidadas a partir de um exercício diário, e mesmo assim ainda continua sendo uma coisa fluida, tendo dias e dias. Vão ter dias em que eu me sinta linda e vão ter dias que eu me sinta estranha, cansada, e assim por diante. 

É importante sabermos diferenciar o amor próprio da auto estima, o amor próprio é algo que deve ser fixo, bem consolidado e permanente na sua vida. A auto estima é mais fluída, como eu disse. É como você se baseia e se vê perante ao outro, o amor próprio é algo mais “enraizado”, se sentir feia às vezes não significa que você não se ama. O amor próprio ensina a termos paciência com nós mesmas, com o amor próprio em dias em que você se sente feia, você sabe que aquilo é só um dia ruim e que você é linda e completa e tudo bem se sentir estranha às vezes. 

As minhas peças de roupas são todas pensadas nesse sentido, de conforto e confiança. Peças que vão contemplar o meu estado de confiança e conforto perante a mim e ao outro, e como pode ser divertido pensar em roupas em que eu me sinta absolutamente linda e confortável ao mesmo tempo. 

Então eu diria que depois de pensar o consumo e no sentido das minhas roupas, todas trazem isso para mim, poder, beleza e confiança.


+ M A I S :
  1. TTUM 01 — Como ter um estilo inspirado na moda coreana com Pamela Rejane @pamrej
  2. TTUM 02 — a construção do estilo pessoal de um jeito criativo com Vanessa @algumavanessa
  3. TTUM 03 – assumindo os cabelos brancos com Luciene Gomes (mãe).
  4. TTUM 04 – uma conversa sobre a dificuldade de mulheres gordas ao consumir moda com Flavia Pinheiro

Espero que vocês tenham gostado desse bate-papo com a Margô e não deixem de seguir ela em suas redes sociais, porque essa mulher é muito incrível! E compartilhem comigo, como é a relação de vocês com underwear, como vocês se sentem. Se sentem bem usando lingerie ou ainda existe alguma questão?

Além de estilosa, super incrível é dona de uma voz linda! Sigam a banda dela também.

Para quem quiser bater um papo mais prolongado pode me chamar no e-mail: estilocomclara@gmail.com

Com amor,
Sua consultoria de estilo
Clara Rocha.

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